Imagine viver em um tempo em que o corpo feminino parecia pulsar em sintonia com a Lua. No silêncio das noites antigas, antes das luzes artificiais e do brilho das telas, o céu era o principal relógio biológico da Terra. O luar não servia apenas para iluminar caminhos, mas também, talvez, para marcar ritmos do próprio corpo humano.
Mas algo mudou.
Segundo um novo estudo da neurobióloga Charlotte Helfrich-Förster, da Universidade de Würzburg, na Alemanha, os ciclos menstruais das mulheres já estiveram parcialmente sincronizados com as fases da Lua até cerca de 2010, quando a luz dos LEDs e dos smartphones se tornou onipresente em nossas vidas.
“Nós iluminamos a noite tão intensamente que rompemos um dos nossos ritmos naturais mais antigos”, afirma a pesquisadora.
🌙 Quando o corpo seguia o ritmo da Lua
Durante séculos, poetas, curandeiros e cientistas observaram com fascínio a semelhança entre o ciclo lunar (29,5 dias) e o ciclo menstrual médio (29 dias). Essa coincidência cósmica alimentou mitos, rituais e teorias.. mas agora, parece que havia mais verdade nisso do que se imaginava.
Helfrich-Förster e sua equipe analisaram mais de 11 mil registros menstruais de 176 mulheres, alguns abrangendo décadas. Antes de 2010, muitos desses registros mostravam que a menstruação costumava ocorrer na lua cheia ou na lua nova. Hoje, essa sincronia praticamente desapareceu.
📱 O impacto das luzes artificiais
A principal suspeita? A luz azul dos LEDs e das telas dos celulares.
Esses comprimentos de onda interferem em processos vitais do corpo, como o sono e a produção de melatonina, o hormônio que regula o nosso relógio biológico. Essa interferência pode ter bagunçado não apenas o sono, mas também os ritmos reprodutivos.
“A exposição à luz à noite está ligada à insônia, alterações hormonais e até à diminuição da fertilidade”, destaca a cientista.
A pesquisadora acredita que, ao afastar-nos do escuro natural da noite, também perdemos parte da nossa harmonia com o ciclo lunar, uma dança entre corpo e cosmos que talvez tenha guiado gerações de mulheres.
🌍 A influência da Lua em outros seres vivos
A ligação entre a Lua e a reprodução não é exclusiva dos humanos. Diversos animais sincronizam seu ciclo reprodutivo com o luar.
Corais, peixes, texugos e até vacas escolhem momentos específicos do mês lunar para acasalar ou liberar ovos. Nossos parentes primatas também parecem seguir esse ritmo: macacos mostram maior fertilidade na Lua nova, enquanto gorilas-das-montanhas se sincronizam com a lua cheia, aproveitando a luminosidade para proteger seus filhotes.
Esses padrões sugerem que, por muito tempo, a Lua funcionou como um guia biológico universal, regulando comportamentos e ciclos de vida.
🌗 A ciência ainda busca respostas
Apesar das descobertas, o mistério está longe de ser resolvido.
A equipe de Helfrich-Förster agora planeja comparar mulheres que vivem em áreas rurais e urbanas, além de analisar dados de diferentes hemisférios, para entender se a sincronia ainda ocorre em lugares onde há menos poluição luminosa.
“Seria interessante comparar os ciclos menstruais de mulheres que vivem em locais com pouca luz artificial”, explica a pesquisadora.
Se comprovado, isso pode reforçar uma ideia fascinante: nossos corpos ainda ouvem o chamado da Lua, mas o brilho das cidades talvez esteja abafando essa antiga melodia.
🌌 A luz que conecta e separa
Mesmo sem provas absolutas, a pesquisa levanta uma reflexão importante.
A tecnologia, embora nos traga conforto e conexão, também pode estar desafinando os ritmos naturais que moldaram a vida na Terra por milênios. Recuperar noites mais escuras, e mais tranquilas, pode ser um passo não só para melhorar o sono, mas talvez para reconectar o corpo humano ao seu compasso original.
“Controlar a exposição à luz artificial pode restaurar a sincronia lunar e menstrual”, diz Helfrich-Förster. “Mas, acima de tudo, pode melhorar o sono, o que considero ainda mais importante para a saúde.”
