As bonecas reborn parecem recém-nascidos de verdade. Têm veias pintadas à mão, cabelos implantados fio a fio e chegam a custar mais do que muitos smartphones de última geração. Para algumas pessoas, são um hobby. Para outras, um suporte emocional. Até aí, tudo bem. O problema começa quando a fantasia se mistura com a realidade – e ultrapassa os limites do bom senso.
Em Minas Gerais, uma influenciadora causou polêmica ao levar sua boneca reborn para o hospital público. Isso mesmo: ela simulou uma situação de emergência com um objeto inanimado em plena unidade de saúde. A repercussão foi tão grande que um deputado estadual propôs um projeto de lei para proibir esse tipo de atendimento pelo SUS, com multa pesada para quem insistir.
Cegonhas, certidões e o "Dia do Bebê Reborn": estamos indo longe demais?
Enquanto alguns tratam os reborns como parte de uma coleção, outros recriam rotinas inteiras de maternidade com eles. Existem "cegonhas reborn" — artistas especializadas em criar esses bonecos com altíssimo nível de realismo — e até vereadores propondo datas comemorativas oficiais, como o “Dia da Cegonha Reborn”, já aprovado no Rio de Janeiro.
Na internet, a cena se intensifica: vídeos de partos simulados, consultas médicas falsas e até cursos de "cuidados com bebês reborn" fazem sucesso nas redes. Tudo em nome de um engajamento emocional — e, claro, financeiro.
O mercado que lucra com afeto e solidão
Por trás da aparência fofa e das roupinhas de bebê, há um mercado bilionário explorando carência, nostalgia e lacunas emocionais. O consumo afetivo virou uma estratégia: influencers montam enxovais, gravam vídeos com enredos dignos de novela e vendem não apenas bonecas, mas experiências emocionais embaladas em storytelling.
E não para por aí. Existem creches temáticas para reborns, lojas que emitem "certidões de nascimento" e até disputas judiciais pela guarda dos bonecos em casos de separação conjugal.
Hobby ou fuga da realidade?
Segundo especialistas, esse apego às bonecas reborn não é automaticamente sinal de desequilíbrio psicológico. Mas é preciso atenção: quando a boneca passa a substituir vínculos reais ou ocupar espaços que deveriam ser da vida concreta, o alerta deve acender.
Como destacou a psicóloga Leila Tardivo, da USP: "Por que julgamos uma mulher que brinca com boneca, mas não um homem que coleciona super-heróis?" É uma boa provocação. Mas quando o brinquedo começa a frequentar hospitais ou virar pivô de processos judiciais, talvez estejamos diante de algo mais sério do que um simples hobby.
Curiosidades que você (provavelmente) não sabia
-
A primeira boneca reborn surgiu nos anos 1990, na Europa.
-
O processo de criação pode levar até 40 horas, com materiais importados e técnicas artesanais.
-
Algumas “mães de reborn” levam os bonecos em carrinhos de bebê ao shopping, fazem fotos de mesversário e montam quartinhos completos.
-
Nos EUA, já houve casos de polícia acionada por engano por alguém que achou que havia um bebê abandonado em um carro — era um reborn.
Já imaginou isso?
Bonecas realistas que ajudam no luto, no afeto, no acolhimento. Mas também bonecas que estão no centro de polêmicas, legislações, engajamento forçado e até brigas judiciais. O que parece inofensivo pode, na verdade, dizer muito sobre os excessos da nossa era — onde a linha entre o real e o artificial está cada vez mais tênue.
Talvez o bebê reborn diga menos sobre infância... e muito mais sobre os adultos de hoje.