Pode parecer exagero, mas essa é a realidade de alguns dos profissionais mais curiosos (e discretos) do Brasil: os práticos, ou “manobristas de navios”. Eles não dirigem o navio, mas comandam toda a operação para que ele atraque com precisão milimétrica, em portos apertados e canais desafiadores. E o melhor: sem encostar um dedo no leme.
Mas como assim? Como alguém comanda um navio gigante sem tocar nos controles? E por que essa profissão tão pouco conhecida paga salários tão altos? Bem-vindo ao fascinante mundo da praticagem — uma mistura de adrenalina, marés, matemática e muita, mas muita, responsabilidade.
O maestro dos mares (sem tocar em nada!)
Ao contrário do que muita gente pensa, o prático não é um marinheiro qualquer. Ele é uma espécie de diretor de cinema marítimo, dando ordens para o comandante do navio, os timoneiros e os rebocadores — tudo em tempo real, enquanto a embarcação de 100 mil toneladas se aproxima da terra firme.
E não pense que o trabalho é tranquilo. A bordo, ele precisa lidar com comandantes estrangeiros, correntes traiçoeiras, climas imprevisíveis e espaços mínimos para manobrar verdadeiros monstros flutuantes.
Ah, e tudo isso sem freio. Como disse um prático veterano: “atracar é uma colisão controlada”. É tipo estacionar um caminhão... numa garagem de vidro... no meio de uma tempestade.
Profissão antiga, risco moderno
A função de prático existe desde a Grécia Antiga, mas continua extremamente relevante até hoje. No Brasil, a profissão é regulada pela Marinha e considerada um serviço essencial para o funcionamento dos portos e da economia.
E não é para menos: os práticos embarcam com o navio em movimento, muitas vezes sob vento, chuva e ondas fortes. Eles sobem por escadas penduradas no costado do navio (a parte lateral do casco), e um passo em falso pode significar queda no mar e altíssimo risco de morte — mesmo com colete salva-vidas.
Em 2023, sete práticos morreram no mundo durante esse tipo de transferência.
Onde trabalham e o que enfrentam?
O Brasil é dividido em 20 zonas de praticagem (ZPs), cada uma com suas próprias complexidades. Algumas ficam no litoral, como Santos (SP), onde passam petroleiros, cruzeiros, navios de grãos e até gado vivo. Outras estão em locais totalmente inesperados, como no meio da Floresta Amazônica.
Acredite se quiser: a ZP 01, entre o Amapá e o Amazonas, é a maior do mundo, com mais de 2.600 km de extensão! Lá, os práticos guiam navios carregados de gás, grãos e cimento por rios estreitos, com pescadores no escuro cruzando o caminho e margens a poucos metros de distância.
O caminho (nada simples) para se tornar um prático
Ganhar R$ 300 mil por mês parece um sonho, né? Mas não é fácil chegar lá.
Para se candidatar à profissão, é preciso:
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Ter curso superior em qualquer área
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Ter habilitação de mestre-amador (licença náutica)
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Passar por um dos concursos mais difíceis do país
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Ser aprovado em provas de arte naval, meteorologia, navegação, manobrabilidade e mais
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Realizar centenas de manobras supervisionadas durante o treinamento
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Fazer exames regulares e cursos de atualização
Hoje, existem apenas 603 práticos no Brasil, e apenas 14 são mulheres. É uma elite — e a competição é feroz.
Curiosidades que você (provavelmente) não sabia 🌊
🔹 Navios não têm freio. A parada é feita com cálculo de corrente, propulsão e rebocadores. Um erro de centímetros pode causar prejuízos milionários.
🔹 O Brasil é referência internacional em praticagem, sendo um dos países com maior extensão de zonas navegáveis do mundo.
🔹 Em média, os práticos fazem 80 mil manobras por ano no país.
🔹 Um erro de praticagem pode causar acidentes ambientais catastróficos, especialmente no caso de petroleiros.
🔹 O trabalho é 24h por dia, 7 dias por semana, incluindo Natal, feriado e madrugada.
Já imaginou uma profissão onde um simples erro pode custar bilhões?
A praticagem é uma das ocupações mais respeitadas, sigilosas e desafiadoras que existem. Eles são os guardiões invisíveis que mantêm os navios — e a economia — em movimento.
Enquanto a maioria das pessoas vê apenas a chegada tranquila de um navio no porto, o prático já está lá, no topo, enfrentando o mar, o tempo e o risco, garantindo que tudo funcione como um relógio.
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