Já imaginou um grupo de freiras que dedica suas orações ao cultivo da cannabis?
Entre rituais silenciosos e o aroma das plantas medicinais, um grupo de mulheres na Califórnia vive uma fé diferente — uma espiritualidade enraizada na terra, guiada pela lua e sustentada pela crença de que a cura nasce do contato direto com a natureza.
Essas são as Sisters of the Valley, conhecidas mundialmente como as “freiras da cannabis”. Uma comunidade espiritual fundada há cerca de dez anos no Vale de San Joaquin, que mistura fé, ativismo e medicina natural.
Fé, natureza e resistência
A líder do grupo é Christine Meeusen, ou Sister Kate, uma ex-consultora que trocou o mundo corporativo pela espiritualidade alternativa. Inspirada nas beguinas, mulheres que viviam em comunidades semi-monásticas na Idade Média, ela criou um espaço dedicado ao cultivo da planta com respeito, propósito e rituais lunares.
“Trabalhamos em silêncio e com devoção, porque tudo é feito com respeito espiritual”, diz Sister Kate.
A fazenda das freiras produz óleos, pomadas e extratos à base de CBD, o composto terapêutico da cannabis que não causa efeitos psicoativos.
Elas afirmam que o processo de cultivo é uma forma de meditação: cada semente é plantada seguindo o ciclo da lua, cada colheita é acompanhada de cânticos e orações.
Nem igreja, nem convento
Apesar do nome e das roupas que lembram hábitos religiosos, o grupo não pertence à Igreja Católica. Suas crenças estão ligadas à simplicidade, à sustentabilidade e ao equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Para elas, a cannabis é uma planta sagrada, um canal de cura e conexão com o divino.
Mas a fé verde também enfrenta desafios. Antes da pandemia, as Sisters of the Valley chegaram a faturar mais de 1,2 milhão de dólares por ano. Em 2024, porém, com a crise do mercado de maconha medicinal na Califórnia, a renda caiu para um terço disso.
Para sobreviver, as freiras ampliaram a produção e começaram a incluir variedades com maior teor de THC, o composto que provoca efeitos psicoativos, o que reacendeu o debate entre espiritualidade e uso recreativo.
Do Vale da Califórnia para Hollywood
O sucesso e a peculiaridade da comunidade chamaram atenção até de Paul Thomas Anderson, diretor premiado de Hollywood. Seu novo filme, “Uma Batalha Após a Outra”, estrelado por Leonardo DiCaprio e Sean Penn, foi inspirado diretamente nas freiras.
Na obra, um grupo de mulheres vive isolado nas colinas da Califórnia, cultiva maconha e acolhe fugitivos — uma clara referência às Sisters of the Valley.
Quatro integrantes participaram das filmagens, realizadas em uma antiga missão espanhola.
Após o lançamento, as freiras celebraram nas redes sociais:
“Estamos profundamente honradas por fazer parte de uma obra que fala de cura, resistência e propósito. Essa história viverá por décadas.”
Um movimento espiritual moderno
Mais do que uma curiosidade cultural, as freiras da cannabis se tornaram símbolo de resistência e fé alternativa em meio à polarização sobre o uso medicinal da planta. Elas afirmam que não pregam o uso recreativo, mas sim o uso consciente e espiritual, uma forma de reconectar o ser humano à natureza e à própria essência.
“O que fazemos é sobre cura, fé e propósito”, resume Sister Kate.
Em um mundo que vive entre o sagrado e o profano, entre a ciência e a crença, essas mulheres mostram que a espiritualidade pode florescer em lugares inesperados, até mesmo em uma plantação de maconha no interior da Califórnia.
